A morte do ex-presidente argentino Néstor Kirchner após uma parada cardiorrespiratória na quarta-feira teve uma forte repercussão entre os jovens do país. Um exemplo disso é a edição de novembro da revista local Barcelona - de humor ácido -, que chega às bancas nesta terça-feira.
A capa da publicação expõe uma fotomontagem de Kirchner caracterizado como o cantor de rock Jim Morrison com a frase “Nestor not dead” (Nestor não está morto) e o subtítulo “morre um provocador, nasce um astro do rock”.
Para a atriz Julia Perette, de 30 anos, que sentiu a morte de Kirchner como se fosse a de um parente próximo, a explicação para essa repercussão é a esperança trazida por ele ao país. “Na noite da sua morte eu estive em frente à Casa Rosada e, pela primeira vez em toda a minha vida, identifiquei-me e emocionei-me com o hino nacional e com os símbolos pátrios – o que antes eu sempre relacionava com os militares e com a oligarquia”, disse.
A atriz também conta que, como o projeto de Kirchner apoiava-se no povo e na juventude, fez com que ela se sentisse identificada com suas políticas. “Essa também foi a primeira vez em que senti orgulho de estar neste país, visto que minha geração pós-ditadura vivia uma ausência de ideologias, de sentimentos e sobretudo de esperança que foram trazidas pelo governo de Néstor”, explicou Julia.
Quem compartilha da opinião de que o ex-presidente argentino devolveu a esperança aos jovens é o advogado Guillermo Perez Alzugaray, de 34 anos.
O militante peronista disse que uma das razões pelas quais Kirchner teve tamando apelo popular foi a descrença política vivida pelo país com a crise de 2001. “A partir desse momento histórico Kirchner trouxe à luz questões como os direitos humanos e, com isso, houve uma mudança de paradigmas em relação ao modelo neoliberal que fez com que o país vivesse esse momento de crise.”
Segundo o advogado, a personalidade do ex-presidente também foi primordial para conquistar a simpatia dos jovens. “Ele era uma pessoa de postura firme que reinvidicou as necessidades do Estado e fez com que essa instituição voltasse a ter peso principalmente quando declarou a independência econômica do país estabelecendo políticas monetárias sem a intervenção do FMI”, disse.
Guillermo afirmou que o jeito informal de se vestir e de falar, aliado à postura combativa e ao passado de militante estudantil na década de 70, também foi essencial para que hoje os jovens se identifiquem tanto com o modelo Kirchner.
Já para o jornalista Mariano García, de 33 anos, ser militante e ser peronista é coisa do passado. “Meus pais eram militantes peronistas e desde pequeno eu ia a manifestações e atos sindicais e sabia cantar a marcha peronista”, explicou. “O que acontece é que grande parte da minha geração está descobrindo o peronismo agora e se identifica com isso, o que para mim não é novidade nenhuma”, disse.
Mariano cursou a faculdade de Comunição Social durante os anos de 1996 a 2001, em pleno governo Menem, e conta que, nessa época, a palavra “peronismo” era extremamente mal vista e que colegas da universidade deixaram de falar com ele quando expressava ideias dessa corrente popular.
“Muitos têm a ideia de que Kirchner salvou o país no pós-crise de 2001, mas o ministro de economia que sofreu a insatisfação popular por causa da desvalorização do peso em relação ao dólar foi o mesmo Duhalde de Kirchner, que idealizou o modelo econômico utilizado pelo ex-presidente argentino”, explicou.
Embora reconheça diversas conquistas de Kirchner, o jornalista não vê a gestão K de forma tão romântica. “Ele acabou sendo um herói revolucionário e às vezes parece que a memória popular é bastante seletiva”, afirmou.
Como exemplo, Mariano comparou a medida do ex-presidente neoliberal Carlos Menem de decretar o fim do serviço militar obrigatório ao ato de Kirchner de retirar o quadro com a foto dos ex-ditadores Jorge Rafael Videla e Roberto Bignone do antigo edifício da Escola Superior de Mecânica da Armada (espécie de DOPS argentino).
“A medida de Kirchner foi simbólica. Representou muito da sua política pelos direitos humanos e foi ovacionado. No entanto, em termos práticos, a abolição do serviço militar obrigatório também foi muito importante, mas não é reconhecida por ter sido feita por um presidente neoliberal.”
A conclusão do jornalista é que “uma boa medida não necessariamente pode ser tomada por um bom presidente” e que há de se levar em conta a história como um todo e não se valer de uma ótica romântica. “Porque a política não surgiu com o Kirchner”, concluiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário